Vila Parisi
2019 / 2020 / 2022 / 2023
Vila Parisi é uma obra teatral performativa com direção de Douglas Lima, diretor do Coletivo 302, e orientação de Eliana Monteiro, diretora do Teatro da Vertigem, inspirada em pesquisas sobre a vida no bairro operário da cidade de Cubatão-SP, que se tornou mundialmente conhecido entre os anos 70 e 80 por se localizar no epicentro da zona industrial na época em que ela era conhecida como a mais poluída do mundo. O espetáculo investiga, com cuidado arqueológico, o soterramento da história de Cubatão/SP e a transformação social, ambiental e econômica da cidade, que em um curto período, passa de um pacato vilarejo rural à condição de cidade urbana industrial, abrigando um dos maiores pólos petroquímicos da América Latina. A dramaturgia apresenta uma formulação episódica em quadros, que tentam dar conta do movimento dessa modificação, iniciando com o período anterior à colonização portuguesa, passando pela industrialização e a ocupação do território com a migração de brasileiros e brasileiras vindas de todos os cantos, sobretudo da região nordeste, dando protagonismo as suas histórias que narram a resiliência de um povo trabalhador que foram força motriz para o crescimento e desenvolvimento econômico da região e do país e por fim denuncia os crimes industriais resultantes dessa experiência ‘tecnofascista’ vivenciada em Cubatão, durante o período de regime de ditadura civil militar. A peça desenvolvida a partir dos conceitos de local específico / art in situ, formula um teatro performativo mesclado a uma narrativa profundamente popular, sendo a primeira parte da trilogia de tragédias industriais do Coletivo 302, que objetiva uma discussão ampliada que reflita sobre nossa ancestralidade, identidade e memória e por consequência desperte o pertencimento à cidade, tão vitimada pelo seu estigma de ”Vale da Morte”. Os eventos narrados são resultantes de uma pesquisa de 18 meses de trabalho, entre leituras de matérias de jornal, artigos, teses acadêmicas e livros, fotografias, filmes, consultas a pesquisadores, ao arquivo histórico municipal e entrevistas de campo com antigos moradores do bairro, recuperando de forma simbólica e arquetípica pessoas e fatos de um momento da história da cidade.
apresentação
histórico
Estreado em julho de 2019, Vila Parisi começou a ser discutida em meados de 2017 e ganhou forma depois de ter o Projeto Zanzalá - Parte1: Vila Parisi, projeto de trilogia teatral, contemplado pelo edital ProAc Edital 01/2018 de Produção de Espetáculo Inédito e Temporada de Teatro. O espetáculo fez sua primeira temporada entre 13 de julho e 11 de agosto de 2019 na praça do Cruzeiro Quinhentista, um marco jesuíta e turístico do município que fica diante da portaria principal da Petrobrás - Refinaria Presidente Bernardes, no Jardim das Indústrias de Cubatão, realizou 10 apresentações gratuitas e recebeu mais de 1.500 pessoas ao longo da temporada. Em janeiro de 2020 realizou duas novas apresentações no mesmo local, recebendo mais de 400 pessoas. Em setembro de 2022 compôs a programação do Mirada – Festival Ibero Americano de Artes Cênicas do Sesc e em março de 2023, foi premiado no 33º Prêmio Shell de Teatro pela relevância e valorização da sua pesquisa. Ainda em 2023, com apoio do Sesc e Prefeitura Municipal de Cubatão, realizou nova temporada com 8 apresentações, alcançando mais de 1.000 pessoas. Durante a pandemia, o coletivo fez parte do projeto "Performando: entrelaces de arte/ educação" na grade da programação online do Sesc Santos, em que desenvolveu 4 vídeo-performances para a série intitulada Video-Retratos: Vila Parisi, chegando a ter mais de 10 mil visualizações entre as plataformas facebook, instagram e youtube. O projeto ainda contou com a participação em um bate-papo online sobre o processo criativo das obras. Os vídeo-retratos foram posteriormente selecionados e exibidos no Corporea - Festival Internacional de Perfomance Zacatecas/México - Universidad Autónoma de Zacatecas, no 62º FESTA - Festival de Teatro de Santos, no 18º Curta Santos - Festival de cinema de Santos e no 17º FESTAC - Festival de Teatro de Cubatão.
ficha técnica
Direção/Encenação: Douglas Lima | Orientação: Eliana Monteiro | Roteiro dramatúrgico: Cícero Gilmar Lopes | Dramaturgismo: Marcelo Ariel | Contribuições dramatúrgicas: Coletivo 302 e Uzina Coletiva | Elenco: Alisse Flora, Allana Santos, Douglas Lima, Jùpïrã Transeunte, Lelê Cascardi, Lucas Pereira, Luiz Guilherme, Matheus Lípari, Maya Andrade, Nicca Oliveira, Sander Newton e Sandy Andrade | Técnicos de palco: Josué Salvino, Maysa Juvino, Rafael Almeida e Vanessa Souza | Pesquisa sonora: Marcozi dos Santos e Sander Newton | Preparação de canto: Douglas Lima | Músicos: Jaqueline da Silva, Marcozi Santos e Rodrigo Suzuki | Composição original: Isabel Tavares, Sander Newton e Sandy Andrade | Produção sonora: Marcozi Santos e Sander Newton | Operação de som: Wilson Gois | Pesquisa e desenho de luz: Juliana Sousa e Matheus Lípari | Operação de luz: Juliana Sousa e Marina Gatti | Cenografia: Douglas Lima e Tay O’hanna | Cenotécnico: Írio Sandres | Assistente cenotécnico: Josué Salvino e Matheus Lípari | Figurinos: Alisse Flora e Douglas Lima | Costureiras: Antônia, Patrícia e Amélia | Projeto visual: Caique Unger | Coordenadora de Comunicação: Allana Santos | Assistente de comunicação: Sandy Andrade | Diretor de produção/financeiro: Sander Newton | Produção: Allana Santos, Alisse Flora, Maysa Juvino e Sandy Andrade | Parceria: Uzina Coletiva, Esquadrilha Marginália e Galpão Cultural Cubatão | Apoio: Prefeitura Municipal de Cubatão, Secretaria Municipal de Cultura e Sesc Santos | Realização: Coletivo 302 T
assista aos teasers
sinopse
VILA PARISI é uma obra teatral inspirada em pesquisas sobre a vida no bairro operário da cidade de Cubatão-SP, local que tornou-se mundialmente conhecido como Vale da Morte nos anos 70 e 80 por se localizar no epicentro de uma extensa zona industrial da época. A peça desenvolvida a partir dos conceitos de local específico / art in situ, formula um teatro performativo mesclado a uma narrativa profundamente popular, sendo a primeira parte da trilogia de tragédias industriais do Coletivo 302. Contando eventos que foram colhidos em depoimentos com antigos moradores, tentamos de algum modo dignificar as vidas vividas e perdidas e as vidas destroçadas pela máquina do progresso. Recuperando de forma simbólica e arquetípica pessoas e fatos de um momento da história da cidade e do país que poderosos tentaram apagar. Vila Parisi é um contra manifesto que de certo modo ecoa hoje nas inúmeras zonas de exclusão de Cubatão, Santos, Guarujá, São Vicente, São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e de muitas outras cidades sem nome, esquecidas em um Brasil que parece ter se esquecido de si mesmo.
Classificação indicativa: 14 anos
Duração: 120 minutos
ficha técnica
Direção/Encenação: Douglas Lima | Orientação: Eliana Monteiro | Roteiro dramatúrgico: Cícero Gilmar Lopes | Dramaturgismo: Marcelo Ariel | Contribuições dramatúrgicas: Coletivo 302 e Uzina Coletiva | Elenco: Alisse Flora, Allana Santos, Douglas Lima, Jùpïrã Transeunte, Lelê Cascardi, Lucas Pereira, Luiz Guilherme, Matheus Lípari, Maya Andrade, Nicca Oliveira, Sander Newton e Sandy Andrade | Técnicos de palco: Josué Salvino, Maysa Juvino, Rafael Almeida e Vanessa Souza | Pesquisa sonora: Marcozi dos Santos e Sander Newton | Preparação de canto: Douglas Lima | Músicos: Jaqueline da Silva, Marcozi Santos e Rodrigo Suzuki | Composição original: Isabel Tavares, Sander Newton e Sandy Andrade | Produção sonora: Marcozi Santos e Sander Newton | Operação de som: Wilson Gois | Pesquisa e desenho de luz: Juliana Sousa e Matheus Lípari | Operação de luz: Juliana Sousa e Marina Gatti | Cenografia: Douglas Lima e Tay O’hanna | Cenotécnico: Írio Sandres | Assistente cenotécnico: Josué Salvino e Matheus Lípari | Figurinos: Alisse Flora e Douglas Lima | Costureiras: Antônia, Patrícia e Amélia | Projeto visual: Caique Unger | Coordenadora de Comunicação: Allana Santos | Assistente de comunicação: Sandy Andrade | Diretor de produção/financeiro: Sander Newton | Produção: Allana Santos, Alisse Flora, Maysa Juvino e Sandy Andrade | Parceria: Uzina Coletiva, Esquadrilha Marginália e Galpão Cultural Cubatão | Apoio: Prefeitura Municipal de Cubatão, Secretaria Municipal de Cultura e Sesc Santos | Realização: Coletivo 302 T
Palavra dos artistas convidados
Por Eliana Monteiro
Em setembro de dois mil e dezoito, desço a serra do mar com destino a Cubatão, era a primeira vez que isso acontecia, pois essa cidade sempre foi vista por mim pela rodovia, e ao avistá-la os adjetivos que me vinham a mente ou que eu escutava sobre ela não eram nada convidativos a uma parada, mesmo que breve. Desta vez, a convite do Coletivo 302, eu não só faria uma parada turística, eu fui convidada a conhecer sua história real, o vale da morte, seus dragões que soltam fumaças pretas, amarelas e ao mesmo tempo muito fogo.
O que essa besta fera não sabia que ao soltar benzeno no ar, as crianças que conseguiram sobreviver, hoje são adultos guerreiros, que olham para o passado e decidem fazer sua encenação no Cruzeiro ao pé do animal.
Quem é você Vila Parisi? Pergunta que investigamos por meses, esse coletivo, a vida toda, filhos de operários que migraram de suas cidades para Cubatão atrás de um sonho, mudarem de vida, quando ali chegaram o pássaro Guará Vermelho fazia o caminho oposto, estava migrando em busca de qualidade de vida. Os jovens desse grupo fazem a migração dos guarás, mas retornam como seus ancestrais, numa ida e vinda eterna.
Nesses tempos em que vivemos, percebo a urgência de investigarmos o passado, como arqueólogos, com cuidado para não danificar o que foi soterrado e ao estudarmos os materiais encontrados expô-los. Vila Parisi foi soterrada, concretada, pois seu papel foi o de laboratório a céu aberto, para saberem quanto tempo um ser humano resistiria a quantidade de benzeno e outros componentes químicos derramados em seus pulmões diuturnamente, o que não se esperava era à anencefalia. Ao trazer à tona assunto tão delicado em frente e em tempo real em que os poluentes rés estão sendo expelidos é um convite aos moradores da cidade a uma discussão do que ainda podemos fazer juntos.
Nem Vale da Morte, nem Inferno, nem Paris e nem Brasil ou *Weli miyaad halkan joogtaa, Vila Parisi?
* Você continua aqui, Vila Parisi? escrito em Somali
Por Marcelo Ariel
Essa peça sobre a Vila Parisi tem diversas camadas que durante o processo de dramaturgismo tivemos de desdobrar. Quatro delas são visíveis: a histórica, política, a psicológica e a filosófica e três exigem um esforço do olhar e do afeto: a poética, a urbanística e antropológica. A política diz respeito a um processo ainda em curso de degradação da vida e do bem viver em Cubatão e região em nome de uma duvidosa autonomia política que jamais existiu, a Vila Parisi é a pedra fundamental nesse processo de degradação político-social que prova factualmente que é impossível haver sociedade se há conivência com a miséria extrema ou seja com a ausência de compromisso social. O povo de Cubatão jamais participou dos grandes lucros gerados pela perversa e feroz industrialização da qual foi e é vítima e ainda é refém. Apenas uma classe política que sempre se comportou como uma ave de rapina se beneficiou dessa injusta alienada e cruel situação que, mesmo hoje, no centro de uma crise sem precedentes, permanece a mesma. Historicamente, a Vila Parisi, apesar da poderosa tentativa institucional de apagamento, resistiu a ser esquecida na memória, paradoxalmente nostálgica de quem lá viveu, os vários depoimentos da pesquisa de campo realizada pelos atores que deram origem aos exercícios e workshops que por sua vez , foram a base para a criação do texto que foi trabalhado nos seminários de dramaturgismo, comprovam isso e nosso maior desafio foi transcender a memória e essa densa nostalgia , que como uma neblina cobria a experiência fenomenológica do horror de não apenas viver em um território insalubre como ser cobaia involuntária de uma experiência, que em tudo se assemelha a do médico nazista Mengele: a da exposição deliberada de seres humanos a condições limite com o intuito de ‘ estudar os efeitos ‘ de substâncias extremamente tóxicas nesse corpos. Nossa peça não contorna o cotidiano e suas vivências comunitárias, mas se debruça sobre estas duas dimensões, a do horror e a da vida em comunidade e neste viver e morrer antecipadamente costurados como num bordado químico, na perplexidade diante desse quadro esquecido da insônia da história estão as forças de indignação que movem cada gesto da nossa experiência cênica.