VILA PARISI
(2019)

apresentação
Vila Parisi é uma obra teatral performativa com orientação de Eliana Monteiro diretora do Teatro da Vertigem e direção de Douglas Lima, diretor do Coletivo 302, inspirada em pesquisas sobre a vida no bairro operário da cidade de Cubatão-SP, que se tornou mundialmente conhecido entre os anos 70 e 80 por se localizar no epicentro da zona industrial na época em que ela era conhecida como a mais poluída do mundo. A peça narra eventos que foram colhidos em depoimentos com os antigos moradores, recupera de forma simbólica e arquetípica pessoas e fatos de um momento da história da cidade. A peça desenvolvida a partir dos conceitos de local específico / art in situ, formula um teatro performativo mesclado a uma narrativa profundamente popular, sendo a primeira parte da trilogia de tragédias industriais do Coletivo 302. Foram ao todo 18 meses para o desenvolvimento do espetáculo, entre pesquisas, entrevistas, elaboração e captação de recursos para o projeto, workshops, ensaios, produção e apresentação.

Foto de Gabriel Nascimento

Foto de Gabriel Nascimento

Foto de Matheus Correia

Foto de Gabriel Nascimento
histórico
Estreado em julho de 2019, Vila Parisi começou a ser discutida em meados de 2017 e ganhou forma depois de ter o Projeto Zanzalá contemplado pelo edital ProAc 09/2018 de Montagem Inédita e Temporada no Estado de SP. O espetáculo faz parte de um projeto de trilogia teatral que contará a história de transformação da cidade, de pacato vilarejo rural em zona industrial, e as consequências do desenvolvimento não planejado na vida das pessoas e da biodiversidade. A pesquisa do projeto é pensada a partir do acesso à registros históricos, leitura de teses, artigos, encontro com historiadoras, defensores do patrimônio histórico e escuta e registro de depoimentos de antigos moradores dos bairros operários que compõe o imaginário da trilogia. A montagem do espetáculo trouxe novos procedimentos de criação e produção e contou ao todo com 36 profissionais envolvides, sendo a última parte do processo desenvolvida em site specific. O espetáculo ficou em temporada gratuita de 13 de julho à 11 de agosto de 2019 tendo recebido em praça pública de frente ao Polo Industrial uma média de 1.500 pessoas. Em janeiro de 2020 realizou duas novas apresentações com uma média de 150 pessoas por sessão. Durante a pandemia, os materiais cênicos e técnicos do coletivo foram removidos da praça e encaminhados para o pátio de contêineres sem notificação prévia e acabaram sendo furtados no local, implicando no interrupção das apresentações. O espetáculo teve apoio da SECULT Secretaria Municipal de Cultura de Cubatão, SEDUC Secretaria Municipal de Educação de Cubatão, SESEP Secretaria de Manutenção Urbana e Serviços Públicos, CMT Companhia Municipal de Trânsito, CONDEPAC Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Cubatão, CMPC Conselho Municipal de Política Cultural de Cubatão, ADUC Associação Desportiva Unipar Cubatão e SESC Santos e contava ainda com a parceria da Uzina Coletiva, de artistas do Galpão Cultural, do suporte jurídico do Teatro do Kaos, da empresa de logística Isis Transportes e Locação e do Restaurante Prith.
assista ao teaser
ficha técnica
Direção: Douglas Lima | Orientação: Eliana Monteiro | Dramaturgia: Cícero Gilmar Lopes | Dramaturgismo: Marcelo Ariel | Contribuições dramatúrgicas: Coletivo 302 | Elenco: Douglas Lima, Matheus Lípari, Sander Newton, Sandy Andrade e Tay O’hanna | Atrizes convidadas: Alisse Ribeiro, Jùpïrã Transeunte, Lelê Cascardi e Maya Andrade | Contra-regras: Allana Santos, Josué Salvino, Luana Laciny, Matheus Cordel, May Juvino e Rafael Almeida | Pesquisa Sonora: Sander Newton | Preparação de canto: Douglas Lima | Orientação de canto: Nailse Machado | Músicos: Daniel Meireles, Jaqueline da Silva, Marcozi Santos e Rodrigo Suzuki | Composição original: Isabel Tavares, Sander Newton e Sandy Andrade | Produção sonora: Marcozy Santos e Sander Newton | Técnica de som: Alisse Ribeiro e Sander Newton | Operação de som: Marcozy Santos | Pesquisa, desenho e técnica de luz: Juliana Sousa e Matheus Lípari | Operação de luz: Juliana Sousa e Matheus Cordel | Cenografia: Douglas Lima e Tay O’hanna | Cenotécnico: Írio Sandres | Figurinos: Douglas Lima e Sandy Andrade | Costureira/os: Dudu e Reinaldo Trick | Projeto Visual: Lucas Bêda | Comunicação: Allana Santos | Produção: Tay O’hanna | Assistência de produção: Allana Santos e Sandy Andrade | Produção Executiva: Sander Newton | Parceria: Uzina Coletiva e Galpão Cultural | Realização: Coletivo 302
palavras das artistas convidadas
Por Eliana Monteiro
Em setembro de dois mil e dezoito, desço a serra do mar com destino a Cubatão, era a primeira vez que isso acontecia, pois essa cidade sempre foi vista por mim pela rodovia, e ao avistá-la os adjetivos que me vinham a mente ou que eu escutava sobre ela não eram nada convidativos a uma parada, mesmo que breve. Desta vez, a convite do Coletivo 302, eu não só faria uma parada turística, eu fui convidada a conhecer sua história real, o vale da morte, seus dragões que soltam fumaças pretas, amarelas e ao mesmo tempo muito fogo.
O que essa besta fera não sabia que ao soltar benzeno no ar, as crianças que conseguiram sobreviver, hoje são adultos guerreiros, que olham para o passado e decidem fazer sua encenação no Cruzeiro ao pé do animal.
Quem é você Vila Parisi? Pergunta que investigamos por meses, esse coletivo, a vida toda, filhos de operários que migraram de suas cidades para Cubatão atrás de um sonho, mudarem de vida, quando ali chegaram o pássaro Guará Vermelho fazia o caminho oposto, estava migrando em busca de qualidade de vida. Os jovens desse grupo fazem a migração dos guarás, mas retornam como seus ancestrais, numa ida e vinda eterna.
Nesses tempos em que vivemos, percebo a urgência de investigarmos o passado, como arqueólogos, com cuidado para não danificar o que foi soterrado e ao estudarmos os materiais encontrados expô-los. Vila Parisi foi soterrada, concretada, pois seu papel foi o de laboratório a céu aberto, para saberem quanto tempo um ser humano resistiria a quantidade de benzeno e outros componentes químicos derramados em seus pulmões diuturnamente, o que não se esperava era à anencefalia. Ao trazer à tona assunto tão delicado em frente e em tempo real em que os poluentes rés estão sendo expelidos é um convite aos moradores da cidade a uma discussão do que ainda podemos fazer juntos.
Nem Vale da Morte, nem Inferno, nem Paris e nem Brasil ou *Weli miyaad halkan joogtaa, Vila Parisi?
* Você continua aqui, Vila Parisi? escrito em Somali
Por Marcelo Ariel
Essa peça sobre a Vila Parisi tem diversas camadas que durante o processo de dramaturgismo tivemos de desdobrar. Quatro delas são visíveis: a histórica, política, a psicológica e a filosófica e três exigem um esforço do olhar e do afeto: a poética, a urbanística e antropológica. A política diz respeito a um processo ainda em curso de degradação da vida e do bem viver em Cubatão e região em nome de uma duvidosa autonomia política que jamais existiu, a Vila Parisi é a pedra fundamental nesse processo de degradação político-social que prova factualmente que é impossível haver sociedade se há conivência com a miséria extrema ou seja com a ausência de compromisso social. O povo de Cubatão jamais participou dos grandes lucros gerados pela perversa e feroz industrialização da qual foi e é vítima e ainda é refém. Apenas uma classe política que sempre se comportou como uma ave de rapina se beneficiou dessa injusta alienada e cruel situação que, mesmo hoje, no centro de uma crise sem precedentes, permanece a mesma. Historicamente, a Vila Parisi, apesar da poderosa tentativa institucional de apagamento, resistiu a ser esquecida na memória, paradoxalmente nostálgica de quem lá viveu, os vários depoimentos da pesquisa de campo realizada pelos atores que deram origem aos exercícios e workshops que por sua vez , foram a base para a criação do texto que foi trabalhado nos seminários de dramaturgismo, comprovam isso e nosso maior desafio foi transcender a memória e essa densa nostalgia , que como uma neblina cobria a experiência fenomenológica do horror de não apenas viver em um território insalubre como ser cobaia involuntária de uma experiência, que em tudo se assemelha a do médico nazista Mengele: a da exposição deliberada de seres humanos a condições limite com o intuito de ‘ estudar os efeitos ‘ de substâncias extremamente tóxicas nesse corpos. Nossa peça não contorna o cotidiano e suas vivências comunitárias, mas se debruça sobre estas duas dimensões, a do horror e a da vida em comunidade e neste viver e morrer antecipadamente costurados como num bordado químico, na perplexidade diante desse quadro esquecido da insônia da história estão as forças de indignação que movem cada gesto da nossa experiência cênica.